
Butler, em sua obra Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade
(2010) publicada originalmente em 1990, partilha de certos referenciais
foucaultianos e se pergunta se o “sexo” teria uma história ou se é uma
estrutura dada, isenta de questionamentos em vista de sua indiscutível
materialidade. Butler discorda da ideia de que só poderíamos fazer
teoria social sobre o gênero, enquanto o sexo pertenceria ao corpo e à
natureza.
Fazendo uma manobra semelhante à Joan Scott, Butler pretende historicizar o corpo e o sexo, dissolvendo a dicotomia sexo x gênero,
que fornece às feministas possibilidades limitadas de problematização
da “natureza biológica” de homens e de mulheres. Para Butler, em nossa
sociedade estamos diante de uma “ordem compulsória” que exige a
coerência total entre um sexo, um gênero e um desejo/prática que são
obrigatoriamente heterossexuais.
Em outras palavras: a criança está na barriga da mãe; se tiver pênis,
é um menino, o qual será condicionado a sentir atração por meninas.
Para dar um fim a essa lógica que tende à reprodução, Butler destaca a
necessidade de subverter a ordem compulsória, desmontando a
obrigatoriedade entre sexo, gênero e desejo.
Assim, para a filósofa, o conceito de gênero cabe à
legitimação dessa ordem, na medida em que seria um instrumento expresso
principalmente pela cultura e pelo discurso que inscreve o sexo e as
diferenças sexuais fora do campo do social, isto é, o gênero aprisiona o
sexo em uma natureza inalcançável à nossa crítica e desconstrução.
“O gênero não deve ser meramente concebido como a inscrição cultural de significado num sexo previamente dado”, defende Butler (2010, p. 25), “[...] tem de designar também o aparato mesmo de produção mediante o qual os próprios sexos são estabelecidos.”
Dessa forma, o papel do gênero seria produzir a falsa noção de
estabilidade, em que a matriz heterossexual estaria assegurada por dois
sexos fixos e coerentes, os quais se opõem como todas as oposições
binárias do pensamento ocidental: macho x fêmea, homem x mulher,
masculino x feminino, pênis x vagina etc. É todo um discurso que leva à
manutenção da tal ordem compulsória.
E como se daria essa manutenção? Pela repetição de atos,
gestos e signos, do âmbito cultural, que reforçariam a construção dos
corpos masculinos e femininos tais como nós os vemos atualmente. Trata-se, portanto, de uma questão de performatividade. Para Butler, gênero é um ato intencional, um gesto performativo que produz significados (PISCITELLI, 2002).

Críticas a Butler, que serão tratados mais adiante no blog, residem,
sobretudo, na ênfase demasiada a esse modo de subversão da ordem
compulsória: será que precisamos apelar necessariamente aos travestis?
De que outras formas podemos desconstruir o corpo? Ainda, cruzar as
fronteiras do sexo e do gênero efetivamente subverte a ordem posta? E
como entender o corpo: sua materialidade é apenas performatividade? Qual
é o estatuto do corpo nessa análise? O sujeito não existe para além de
suas práticas?
Para ler mais sobre o pensamento de Butler, clique aqui para acessar um texto sobre a performatividade, e aqui para outro texto sobre a identidade de gênero, ambos de autoria do Lucas Passos. Mais recentemente, publicamos um texto
sobre o conceito de “corpos abjetos” da Butler. Para continuar lendo
sobre o conceito de gênero por seis autoras feministas, clique aqui para acessar o texto principal.
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