Nos debates sobre diversidade sexual, vira e mexe alguém menciona
“opção sexual”. Geralmente, esta pessoa é logo corrigida por um/a
militante LGBT que dirá que o correto é “orientação sexual”, uma vez que
a sexualidade não se trata de uma escolha. Tenho percebido, contudo,
que usar a expressão “escolha”, apesar de suas limitações, pode ser uma
ótima maneira de encarar a questão.
Ao longo do desenvolvimento do movimento LGBT, certas expressões foram criadas, enquanto outras foram modificadas ou excluídas.
Criaram-se conceitos importantes como “homofobia” e
“heteronormatividade”, úteis para se entender as relações de poder, ao
mesmo tempo em que se ressignificaram termos como “gay” e “queer” para
os fins de uma identificação positiva. Outros termos, como
“homossexualismo”, caíram no ostracismo por remeterem a uma
patologização do desejo homoerótico. Ainda, a ideia de “opção sexual”
foi sendo gradativamente substituída por “orientação sexual”.
Diz-se que o desejo sexual não é uma escolha voluntária, consciente
ou facultativa, senão algo difuso – que até hoje ninguém soube explicar –
que se “orienta” para um determinado sexo, para vários ou para nenhum. Na
narrativa romântica, que tanto se mescla com a política, o desejo
sexual homo ou bi é legítimo simplesmente porque existe, é natural ou
construído tal como a heterossexualidade. O desejo existe, está
aí, surge. Estou andando na rua e, pronto, sinto atração por alguém e
não tenho controle disso. Alguns vão dizer “nasci assim”, outros vão
dizer “descobri-me assim”. Mas ninguém saberá refinar muito melhor do
que isso.
Se o conceito de “orientação sexual” é útil, porque dispensa uma
explicação sobre a possível origem do desejo sexual, ele também é vago.
De toda forma, costuma parecer melhor que a noção de “opção sexual”
porque essa afirma categoricamente o lado da escolha, o que todos/as
sabemos de que não se trata. Será que não? Não poderíamos chamar a
atenção para um campo da “escolha” e da “opção” nesse emaranhado que é a
sexualidade?
Basta pensarmos o seguinte: o que está em disputa nas pautas LGBT? É menos o desejo do que a prática sexual.
Até mesmo os conservadores afirmam que o problema não é o homossexual
em si, mas os seus atos. Os pastores fundamentalistas, como Silas
Malafaia e Marco Feliciano, assim como o Papa Francisco em sua visita ao
Brasil, afirmaram coisa semelhante. Isso é quase um consenso. Quer ser
gay, seja. Só não dê bandeira, não assuma (“don’t ask, don’t tell”),
não saia com gente do mesmo sexo, não quebre a munheca. Esconda. Evite
pensar no desejo homoerótico. Mas, se o fizer, faça-o no seu quarto,
sozinho, sem assumir, demonstrar ou praticar.
O desejo sexual está relativamente seguro porque ele, sozinho, não é
nada. Sem a prática desse desejo, ele é apenas uma imaginação. E
devemos ter em mente que quando falamos de “práticas” estamos falando,
sim, de escolhas. Escolhe-se ter uma vida homossexualmente ativa,
escolhe-se ter um/a namorado/a, escolhe-se sair do armário, escolhe-se
investir numa determinada identidade, escolhe-se enfrentar a homofobia.
Ainda que a sexualidade em si – o desejo – não seja uma escolha, tudo
que gira em torno dele, dando-o forma e consolidando-o é uma escolha. Trata-se de uma opção, oras!
E tem mais: falar de “escolhas” dá luz ao protagonismo dos
sujeitos. Vai depender de o sujeito querer ser ou assumir-se gay/lésbica
dentro de uma sociedade heteronormativa. E haverá consequências.
Não quero que as outras pessoas me vejam como um pobre coitado que
“nasceu” com determinada sexualidade e cabe às/aos demais me tolerar,
aceitar e respeitar. Precisamos exigir mais do que as migalhas desses
avanços. A pauta da diversidade sexual há de ter um impacto maior em
nossas vidas e na vida social como um todo.
Ao falarmos das escolhas, estamos jogando luz ao que realmente está
em disputa. Não é o desejo. São as práticas sexuais, constantemente
ameaçadas, ridicularizadas, relegadas a certos guetos, mitificadas. O
que está jogo é a nossa liberdade. A liberdade de escolha do que fazer
com a sua sexualidade, a liberdade de ter domínio sobre o próprio corpo,
a liberdade de expressar o seu desejo. A sexualidade tem que
sair do campo da patologia, do essencialismo, da “natureza”, e cair de
vez na esfera dos direitos humanos, das liberdades civis e das livres
escolhas, como realça Rogério Diniz Junqueira (2009).
Por isso tenho preferido usar o termo “escolha” para me referir à
sexualidade. Pois as escolhas são incontornáveis e a atração sexual é
apenas uma parte disso, mas não é o que está sob ameaça e nem o que
realmente tem o potencial de transformar as relações de gênero e a
sexualidade em nossa sociedade. Para mudá-las, precisamos assumir que
estamos escolhendo outra maneira de encarar a diversidade sexual tal
como escolhemos o caminho da transformação. E que ao assumir nossas
escolhas, assumamos nossos riscos e ganhos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário