O menino Ryland Whittington, de seis
anos, já foi uma menina. Aos cinco anos, seus pais, vendo que ele
realmente se identificava como menino, apoiaram a transição de gênero,
retratando a sua história no emocionante vídeo que pode ser visto Aqui:
“Mas como uma criança sabe o seu gênero?
Será ele diferente do seu sexo? Isso é coisa de
liberal/esquerdista/petralha/insira outro nome semelhante aqui”, muitos
disseram. “Antigamente não tinha nada disso não. Menino era menino,
menina era menina!”
Mas o que define o gênero? A genitália, a
preferência sexual, o modo de vestir, o indivíduo? O que te faz ser
homem ou mulher? É possível ser os dois? E nenhum? Há uma resposta certa
para essas perguntas?
Como o autor Pierre Clastres nos mostra em seu fascinante “O Arco E O Cesto”, não são todas as sociedades que tem essa união tão rígida entre sexo e gênero.
Clastres viveu dentre os índios Aché
(por ele chamado de Guayaki, mas hoje sabemos que esse é um termo
derrogatório) no Paraguai. Para essa tribo, o gênero é definido pela
profissão: Se você caça, é homem, se cuida da casa, é mulher. Isso
define suas companhias, seus rituais, modo de vestir e opção sexual. Um
homem poderia se tornar mulher se renegasse ou perdesse seu arco,
virando um panema, uma mulher.
“Os homens só existem como
caçadores, e eles mantêm a certeza da sua maneira de ser preservando o
seu arco do contato da mulher. Inversamente, se um indivíduo não
consegue mais realizar-se como caçador, ele deixa ao mesmo tempo de ser
um homem: passando do arco pro cesto, metaforicamente ele se torna uma
mulher.”
Nessa sociedade, o gênero é dado pelo
instrumento. Se um homem tocar acidentalmente num cesto, ou usá-lo por
alguns minutos, ele se torna mulher pelo resto da vida. A mesma coisa
para uma mulher. Então Clastres nos mostra como isso acontecia,
mostrando dois panema, Chachubutawachugi e Krembégi.
Chachubutawachugi era viúvo e perdeu seu
arco. Não escolheu ser mulher, isso lhe fora imposto. Reclamava, era
caçoado, xingado, desrespeitado.
Krembégi, por outro lado, nunca usou um arco. Sempre foi panema,
usava o cabelo comprido, vivia com as mulheres e gostava desse jeito de
vida. A tribo o aceitava como mulher e o tratava feito uma.
Chachubutawachugi não se encaixava em
nenhum papel social da tribo. Não era homem nem mulher, era um elemento
que demonstrava a falha do sistema social. Krembégi, por aceitar ser
mulher, mas desempenhar as funções de uma, era tido como normal e
aceito.
Parece insano que alguns objetos definam
toda uma sexualidade, não? Mas nossa sociedade é assim. Temos nossos
papeis sociais, o que define um homem e uma mulher. O homem tem que ser
macho, beber com os amigos, jogar futebol, usar calças e ‘pegar’ várias
mulheres. A mulher tem que ser feminina, ficar em casa, cuidar da
família, se depilar e usar saias. Qualquer um que não se encaixe nesses
padrões começa a entrar no território do estranho, desconhecido. A
diferença é que nós não podemos mudar de lado, pois, segundo a
sociedade, o objeto principal que define nosso gênero já vem de fábrica.
Mas há esperança. Tem gente lutando.
Desafiar esse sistema é difícil. Ser um Chachubutawachugi é muito
difícil, e não só por ter que soletrar o nome toda hora pelo telefone.
As taxas de suicídio entre jovens transgêneros é de 41%, pois além da
pressão social, eles sofrem com a dúvida sobre se o que estão fazendo é
errado e, muitas vezes, ficam sem o apoio da família.
Por isso aplaudo de pé esses pais que
apoiam e defendem o filho. Ele não será o Chachubutawachugi, mas sim o
Krembégi. Não terá a dúvida interna, terá em si próprio e na família um
aliado, e esse é um excelente começo.
Referências:
Disponível em - http://causasperdidas.literatortura.com/2014/08/30/genero-na-infanciao-caso-de-ryland/
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