terça-feira, 9 de setembro de 2014

Gênero na infância:o caso de Ryland


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O menino Ryland Whittington, de seis anos, já foi uma menina. Aos cinco anos, seus pais, vendo que ele realmente se identificava como menino, apoiaram a transição de gênero, retratando a sua história no  emocionante vídeo que pode ser visto Aqui:
“Mas como uma criança sabe o seu gênero? Será ele diferente do seu sexo? Isso é coisa de liberal/esquerdista/petralha/insira outro nome semelhante aqui”, muitos disseram. “Antigamente não tinha nada disso não. Menino era menino, menina era menina!”
Mas o que define o gênero? A genitália, a preferência sexual, o modo de vestir, o indivíduo? O que te faz ser homem ou mulher? É possível ser os dois? E nenhum? Há uma resposta certa para essas perguntas?
Como o autor Pierre Clastres nos mostra em seu fascinante “O Arco E O Cesto”, não são todas as sociedades que tem essa união tão rígida entre sexo e gênero.
Clastres viveu dentre os índios Aché (por ele chamado de Guayaki, mas hoje sabemos que esse é um termo derrogatório) no Paraguai. Para essa tribo, o gênero é definido pela profissão: Se você caça, é homem, se cuida da casa, é mulher. Isso define suas companhias, seus rituais, modo de vestir e opção sexual. Um homem poderia se tornar mulher se renegasse ou perdesse seu arco, virando um panema, uma mulher.
“Os homens só existem como caçadores, e eles mantêm a certeza da sua maneira de ser preservando o seu arco do contato da mulher. Inversamente, se um indivíduo não consegue mais realizar-se como caçador, ele deixa ao mesmo tempo de ser um homem: passando do arco pro cesto, metaforicamente ele se torna uma mulher.”
Nessa sociedade, o gênero é dado pelo instrumento. Se um homem tocar acidentalmente num cesto, ou usá-lo por alguns minutos, ele se torna mulher pelo resto da vida. A mesma coisa para uma mulher. Então Clastres nos mostra como isso acontecia, mostrando dois panema, Chachubutawachugi e Krembégi.
Chachubutawachugi era viúvo e perdeu seu arco. Não escolheu ser mulher, isso lhe fora imposto. Reclamava, era caçoado, xingado, desrespeitado.
Krembégi, por outro lado, nunca usou um arco. Sempre foi panema, usava o cabelo comprido, vivia com as mulheres e gostava desse jeito de vida. A tribo o aceitava como mulher e o tratava feito uma.
Chachubutawachugi não se encaixava em nenhum papel social da tribo. Não era homem nem mulher, era um elemento que demonstrava a falha do sistema social. Krembégi, por aceitar ser mulher, mas desempenhar as funções de uma, era tido como normal e aceito.
Parece insano que alguns objetos definam toda uma sexualidade, não? Mas nossa sociedade é assim. Temos nossos papeis sociais, o que define um homem e uma mulher. O homem tem que ser macho, beber com os amigos, jogar futebol, usar calças e ‘pegar’ várias mulheres. A mulher tem que ser feminina, ficar em casa, cuidar da família, se depilar e usar saias. Qualquer um que não se encaixe nesses padrões começa a entrar no território do estranho, desconhecido. A diferença é que nós não podemos mudar de lado, pois, segundo a sociedade, o objeto principal que define nosso gênero já vem de fábrica.
Mas há esperança. Tem gente lutando. Desafiar esse sistema é difícil. Ser um Chachubutawachugi é muito difícil, e não só por ter que soletrar o nome toda hora pelo telefone. As taxas de suicídio entre jovens transgêneros é de 41%, pois além da pressão social, eles sofrem com a dúvida sobre se o que estão fazendo é errado e, muitas vezes, ficam sem o apoio da família.
Por isso aplaudo de pé esses pais que apoiam e defendem o filho. Ele não será o Chachubutawachugi, mas sim o Krembégi. Não terá a dúvida interna, terá em si próprio e na família um aliado, e esse é um excelente começo.

Referências:

Disponível em - http://causasperdidas.literatortura.com/2014/08/30/genero-na-infanciao-caso-de-ryland/

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