Disforia de gênero começa a ser percebida na infância e adolescência.
Segundo equipe do Hospital de Clínicas, objetivo é evitar problemas futuros.
Uma pesquisa sobre comportamento de gênero começa a ser realizada com
crianças no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. A ideia é trabalhar
com meninos e meninas que se identificam com o sexo oposto ao do
nascimento, um distúrbio conhecido como “disforia de gênero” e que pode
causar grande sofrimento, como mostra a reportagem do Teledomingo (veja o
vídeo).
Segundo os pesquisadores, o objetivo da pesquisa é evitar que as
crianças venham a sofrer de depressão e de ansiedade no futuro.
Problemas como esses são comuns nos adultos atendidos pelo programa de
Transtorno de Identidade de Gênero do Hospital de Clínicas, considerado
referência no país neste tipo de tratamento.
Renato Oliveira da Fonseca, 47 anos, é serigrafista. Nei Estevam
Menezes, 49, funcionário público. Os dois se conhecem há cinco anos,
tempo suficiente para reconhecerem que suas vidas tinham muito em comum.
Eles nasceram mulheres, mas nunca se enxergaram assim.
“Tu não sabes o que está acontecendo contigo, tu tens um corpo e não é
aquilo que tu pensas que tu és na verdade”, conta Nei. “Foi complicado
por causa da família. A família não aceita. No começo não aceita”,
complementa Renato.
Renato e Nei sofrem de disforia de gênero, um transtorno de identidade,
que em muitos casos já começa a ser percebida na infância. Nei, por
exemplo, conta que desde os cinco anos de idade sentia-se estranho no
corpo feminino. “Eu não entendia o que estava acontecendo comigo na
verdade, porque eu estava tendo um corpo que não condizia com aquilo que
eu pensava”, diz ele.
“As pessoas acham que isso pode ser uma escolha ou que isso é uma
deformação moral dos indivíduos. E na verdade a gente considera que,
apesar das causas serem multifatoriais, a gente imagina que um grande
fator seja biológico. A gente já nasce com esta vulnerabilidade”,
explica a psiquiatra do Hospital de Clínicas, Maria Inês Rodrigues
Lobato.
Para que o corpo seja mais parecido com o que desejam, muitos se lançam
em busca pela transformação física, um processo lento, doloroso,
marcado de preconceito e falta de informação. E o tratamento com
hormônios nem sempre é suficiente. Também são necessárias cirurgias.
O Hospital de Clínicas é um dos quatro centros de referência
capacitados para este tipo de atendimento em todo o país. O programa de
Transtorno de Identidade de Gênero inclui o acompanhamento dos pacientes
durante dois anos. Eles são monitorados por uma equipe com mais de 20
profissionais da medicina e da psicologia até terem certeza que a
cirurgia de adequação do sexo é mesmo a melhor alternativa.
“Nós já fizemos mais de 150 cirurgias desde 2000. Já avaliamos mais de
400 pacientes. Portanto, nem todos os pacientes acabam evoluindo para o
procedimento cirúrgico, porque desistem ou porque procuram outros
serviços”, conta Maria Inês.
Para Renato, a decisão já está tomada há muito tempo. Há sete anos, ele
espera para fazer a remoção das mamas pelo Sistema Único de Saúde
(SUS). “Ele vai me fazer eu me sentir bem melhor. Eu vou poder botar uma
camisa só, não um monte de roupa, para poder sair na rua”, exemplifica.
Nei desistiu de esperar e pagou pela cirurgia no ano passado. “É como
renascer novamente. Nascer próximo daquilo que tu desejas ser. Uma
realização”, descreve.
Rejeição ao próprio corpo começa na infância
É na infância, quando as características físicas masculinas e femininas ficam mais evidentes, que a rejeição com o próprio corpo aumenta. Muitos não conseguem entender o que estão sentindo, sofrem com o preconceito e com a falta de acolhimento na família. Por isso, sofrem mais também de depressão e de ansiedade.
É na infância, quando as características físicas masculinas e femininas ficam mais evidentes, que a rejeição com o próprio corpo aumenta. Muitos não conseguem entender o que estão sentindo, sofrem com o preconceito e com a falta de acolhimento na família. Por isso, sofrem mais também de depressão e de ansiedade.
Mas esses problemas podem ser evitados se a disforia de gênero for
identificada ainda na infância. Por isso, a equipe de especialistas do
Hospital de Clínicas começa uma pesquisa com crianças. O hospital está
selecionando voluntários para o programa. Dois pacientes já estão
fazendo o acompanhamento, que começa aos seis anos e deve seguir até a
adolescência.
“Não significa que elas vão evoluir para uma disforia de gênero. Mas a
gente sabe, os nossos pacientes trazem isso, as pesquisas mostram, que
esta população sofre muito preconceito desde a infância, dificuldade da
família de lidar com isso, das escolas, então a gente tem a ideia de
trabalhar com prevenção”, conta a psicóloga Bianca Soll.
Renato e Nei também querem fazer a retirada completa do útero e dos
ovários. Junto com a mastectomia, estes procedimentos passaram ser
financiados pelo SUS através de uma portaria, lançada pelo Ministério da
Saúde em novembro do ano passado. Mas o repasse de recursos, no caso
dos transexuais masculinos, ainda espera autorização.
“A portaria de novembro de 2013 foi constituída para este fim, mas não
está valendo ainda. Os documentos que o Hospital de Clínicas já
preparou, o convênio foi enviado para a Secretaria Municipal da Saúde de
Porto Alegre, que tem um caminho até a Secretaria do Estado até o
Ministério da Saúde. Então, nós ainda estamos aguardando que os
pacientes possam ser atendidos”, relata Maria Inês.
Para quem luta pelo direito a uma nova identidade de gênero, os
recursos devem vir junto com conhecimento. E mais facilidade de acesso
aos serviços. “É muito importante a cirurgia, faz com que a gente
relaxe, consiga viver tranquilo, sair na rua, enfim, conseguir viver
bem. E viver bem com a gente mesmo, que é o mais importante”, diz Nei.
A Secretaria de Saúde de Porto Alegre e o Ministério da Saúde
informaram que as cirurgias de adequação de gênero de mulher para homem
ainda são consideradas experimentais e por isso o dinheiro é liberado
pelo governo federal apenas depois do procedimento.