terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Hospital do RS estuda transtorno de identidade de gênero em crianças

Disforia de gênero começa a ser percebida na infância e adolescência.
Segundo equipe do Hospital de Clínicas, objetivo é evitar problemas futuros.

Do G1 RS
Uma pesquisa sobre comportamento de gênero começa a ser realizada com crianças no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. A ideia é trabalhar com meninos e meninas que se identificam com o sexo oposto ao do nascimento, um distúrbio conhecido como “disforia de gênero” e que pode causar grande sofrimento, como mostra a reportagem do Teledomingo (veja o vídeo).
Segundo os pesquisadores, o objetivo da pesquisa é evitar que as crianças venham a sofrer de depressão e de ansiedade no futuro. Problemas como esses são comuns nos adultos atendidos pelo programa de Transtorno de Identidade de Gênero do Hospital de Clínicas, considerado referência no país neste tipo de tratamento.
Renato Oliveira da Fonseca, 47 anos, é serigrafista. Nei Estevam Menezes, 49, funcionário público. Os dois se conhecem há cinco anos, tempo suficiente para reconhecerem que suas vidas tinham muito em comum. Eles nasceram mulheres, mas nunca se enxergaram assim.
“Tu não sabes o que está acontecendo contigo, tu tens um corpo e não é aquilo que tu pensas que tu és na verdade”, conta Nei. “Foi complicado por causa da família. A família não aceita. No começo não aceita”, complementa Renato.
Renato e Nei sofrem de disforia de gênero, um transtorno de identidade, que em muitos casos já começa a ser percebida na infância. Nei, por exemplo, conta que desde os cinco anos de idade sentia-se estranho no corpo feminino. “Eu não entendia o que estava acontecendo comigo na verdade, porque eu estava tendo um corpo que não condizia com aquilo que eu pensava”, diz ele.
“As pessoas acham que isso pode ser uma escolha ou que isso é uma deformação moral dos indivíduos. E na verdade a gente considera que, apesar das causas serem multifatoriais, a gente imagina que um grande fator seja biológico. A gente já nasce com esta vulnerabilidade”, explica a psiquiatra do Hospital de Clínicas, Maria Inês Rodrigues Lobato.
 
Disforia de gênero (Foto: Reprodução/RBS TV)Renato e Nei (D) nasceram mulheres, mas nunca
se aceitaram como tal (Foto: Reprodução/RBS TV)
 
Para que o corpo seja mais parecido com o que desejam, muitos se lançam em busca pela transformação física, um processo lento, doloroso, marcado de preconceito e falta de informação. E o tratamento com hormônios nem sempre é suficiente. Também são necessárias cirurgias.
O Hospital de Clínicas é um dos quatro centros de referência capacitados para este tipo de atendimento em todo o país. O programa de Transtorno de Identidade de Gênero inclui o acompanhamento dos pacientes durante dois anos. Eles são monitorados por uma equipe com mais de 20 profissionais da medicina e da psicologia até terem certeza que a cirurgia de adequação do sexo é mesmo a melhor alternativa.
“Nós já fizemos mais de 150 cirurgias desde 2000. Já avaliamos mais de 400 pacientes. Portanto, nem todos os pacientes acabam evoluindo para o procedimento cirúrgico, porque desistem ou porque procuram outros serviços”, conta Maria Inês.
Para Renato, a decisão já está tomada há muito tempo. Há sete anos, ele espera para fazer a remoção das mamas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Ele vai me fazer eu me sentir bem melhor. Eu vou poder botar uma camisa só, não um monte de roupa, para poder sair na rua”, exemplifica. Nei desistiu de esperar e pagou pela cirurgia no ano passado. “É como renascer novamente. Nascer próximo daquilo que tu desejas ser. Uma realização”, descreve.

Rejeição ao próprio corpo começa na infância
É na infância, quando as características físicas masculinas e femininas ficam mais evidentes, que a rejeição com o próprio corpo aumenta. Muitos não conseguem entender o que estão sentindo, sofrem com o preconceito e com a falta de acolhimento na família. Por isso, sofrem mais também de depressão e de ansiedade.
Mas esses problemas podem ser evitados se a disforia de gênero for identificada ainda na infância. Por isso, a equipe de especialistas do Hospital de Clínicas começa uma pesquisa com crianças. O hospital está selecionando voluntários para o programa. Dois pacientes já estão fazendo o acompanhamento, que começa aos seis anos e deve seguir até a adolescência.
“Não significa que elas vão evoluir para uma disforia de gênero. Mas a gente sabe, os nossos pacientes trazem isso, as pesquisas mostram, que esta população sofre muito preconceito desde a infância, dificuldade da família de lidar com isso, das escolas, então a gente tem a ideia de trabalhar com prevenção”, conta a psicóloga Bianca Soll.
Disforia de gênero (Foto: Reprodução/RBS TV) Renato e Nei também querem fazer a retirada completa do útero e dos ovários. Junto com a mastectomia, estes procedimentos passaram ser financiados pelo SUS através de uma portaria, lançada pelo Ministério da Saúde em novembro do ano passado. Mas o repasse de recursos, no caso dos transexuais masculinos, ainda espera autorização.
“A portaria de novembro de 2013 foi constituída para este fim, mas não está valendo ainda. Os documentos que o Hospital de Clínicas já preparou, o convênio foi enviado para a Secretaria Municipal da Saúde de Porto Alegre, que tem um caminho até a Secretaria do Estado até o Ministério da Saúde. Então, nós ainda estamos aguardando que os pacientes possam ser atendidos”, relata Maria Inês.
Para quem luta pelo direito a uma nova identidade de gênero, os recursos devem vir junto com conhecimento. E mais facilidade de acesso aos serviços. “É muito importante a cirurgia, faz com que a gente relaxe, consiga viver tranquilo, sair na rua, enfim, conseguir viver bem. E viver bem com a gente mesmo, que é o mais importante”, diz Nei.
A Secretaria de Saúde de Porto Alegre e o Ministério da Saúde informaram que as cirurgias de adequação de gênero de mulher para homem ainda são consideradas experimentais e por isso o dinheiro é liberado pelo governo federal apenas depois do procedimento.
 

domingo, 25 de janeiro de 2015

Transgênero de 13 anos gera debate nos EUA

A série de comédia Transparent, que conta a história de um pai de 70 anos que se transforma em uma mulher, ganhou dois prêmios Globo de Ouro e colocou em evidência as vidas dos transgêneros.
Com personagens transgêneros mais realistas, Hollywood pode estar ajudando a sociedade a aceitá-los na vida real – inclusive as crianças transgêneros.
Um número cada vez maior de crianças está usando medicamentos bloqueadores da puberdade para evitar mudanças indesejadas em seus corpos, como o crescimento de seios ou de barba.
O tratamento é controverso. Críticos dizem que bloquear a puberdade de uma criança é um tipo de abuso e que elas devem ser aconselhadas a aceitar seu corpos.
Mas pais de crianças com desordem severa de identidade de gênero e médicos que tratam delas dizem que não fazer nada pode ser perigoso e que deixá-las passar pela puberdade “no gênero errado” pode resultar em depressão profunda e suicídio.
"Quando eu era pequena sempre dizia: ‘Eu sou uma garota. Eu me pareço uma garota. Meu coração é de uma garota", diz Zoey, de 13 anos, que nasceu menino mas se identifica como menina. 
Zoey diz que seu coração é de mulher/ Foto: BBC
'Não incitei minha filha a passar por isso', diz mãe de Zoey
O médico dela bloqueou sua puberdade e prescreveu hormônios para ajudar que se desenvolva como uma mulher.
"Quando fiquei mais velha, consegui chegar ao meu objetivo e podia ser aceita em escolas, o que tinha sido a parte mais difícil da minha vida porque tinha que agir como alguém que eu não era."
 Foto: BBCZoey começou a se identificar como mulher desde jovem. Quando criança ela costumava perguntar à mãe por que "Deus cometeu um engano" e deu a ela o corpo errado.
'Não incitei minha filha a passar por isso', diz mãe de Zoey/ Foto: BBC

Os supressores de puberdade usados por ela são medicamentos de efeitos reversíveis e aprovados por autoridades britânicas, pois são usados originariamente há décadas para tratar de crianças que apresentam puberdade prematura.
Mas para pessoas com disforia de gênero, ou desordem de identidade de gênero, os medicamentos são ministrados entre 9 e 17 anos. Os médicos dizem que estão dando tempo à criança para decidir se realmente quer viver com um gênero diferente.
Adolescentes também podem tomar hormônios para se desenvolver no gênero oposto.
Esses bloqueadores começaram a ser usados em crianças transgênero nos anos 1990. A médica de Zoey, Johanna Olson, diretora do departamento que trata desses casos no Hospital de Crianças de Los Angeles, começou a prescrever os remédios em 2007.
"Certamente há medos relacionados aos efeitos colaterais", disse Olson. Ela afirmou que uma de suas pacientes, de 12 anos de idade, tentava cometer suicídio toda vez que menstruava.
 Foto: BBC
Olson afirma que é preciso celebrar os transgêneros e não apenas tolerá-los/ Foto: BBC
Olson afirma que é preciso celebrar os transgêneros e não apenas tolerá-los
"Então, certamente, é preciso levar isso em conta. Eu poderia perder a criança antes de termos informações suficientes para dizer 'sim, isso é uma intervenção segura em um adolescente de 12 ou 13 anos, ela pode se matar'."
Há um grande debate na comunidade médica sobre quando iniciar o uso de bloqueadores e terapia hormonal de mudança de sexo.
Kenneth Zucker, especialista em identidade de gênero do Centro de Dependência e de Saúde Mental de Toronto, diz que sua clínica normalmente espera até que os pacientes tenham 16 anos antes de prescrever hormônios para permitir que as pessoas se desenvolvam no sexo oposto.
Mas a clínica tem utilizado bloqueadores de puberdade em crianças a partir dos 10, dependendo de quando eles começam a puberdade.
Tanto Olson quanto Zucker dizem que tiveram muitos poucos relatos de arrependimento de seus pacientes que receberam bloqueadores de puberdade.
Mas Zucker diz que fez um estudo que mostrou que mais de 80% das crianças que foram à clínica e não foram tratados com bloqueadores hormonais estavam satisfeitos em seu gênero biológico quando chegaram aos 22 anos.
Debate
"Há um debate sobre a idade mínima que alguém deve ir no início do tratamento hormonal para reprimir a puberdade", disse ele à BBC.
"Eu acho que o que vai ficar interessante nesta área nos próximos 10 anos é que, pelo menos em alguns setores, há agora uma abordagem muito mais permissiva para o apoio à terapia hormonal de mudança de sexo e até mesmo cirurgia e a questão vai ser: 'A abordagem mais permissiva vai estar correlacionada com mais arrependimentos ou mais insatisfação?'"
Algumas crianças transgênero compram medicamentos ilegais na internet para tentar se tratar, muitas vezes com consequências graves.
Antes de receber bloqueadores de puberdade, as crianças devem passar por avaliações de saúde mental, rigorosos exames médicos e aconselhamento. Olson diz que os melhores resultados são obtidos com o início do uso de bloqueadores hormonais aos primeiros sinais da puberdade. Isso se torna mais complicado pelo fato de que as crianças estão passando pela puberdade mais jovens.
Alguns críticos dizem que o número crescente de crianças transgênero é devido a pais urbanos e liberais indo longe demais com crianças que poderiam apenas estar fazendo experiências e testando convenções.
A realidade é que a internet é, provavelmente, o maior fator que justifica o aumento de crianças transexuais, com famílias diferentes encontrando outras e trocando histórias sobre seus filhos que parecem estar passando por uma fase que, aparentemente, nunca termina.
Família
A mãe de Zoey, Ofelia, é uma trabalhadora hispânica, mãe solteira de três filhos, que não sabia nada sobre transexuais até que seu filho começou a dizer: "Eu sou uma menina." Agora ela é uma defensora dos direitos transexuais.
"É bobagem pensar que estou incitando uma criança a passar por isso. Se você entender o quanto é difícil para eles fazer esta transição, para ser aceito entre os seus pares, as lutas que eles têm que passar, a dor que eles têm que atravessar...", disse Ofelia.
"Isso é quem minha filha é - isso faz sentido. Para mim e minha família isso funciona. Ela está feliz. Ela está na escola. Ela está aprendendo. Não há nada de diferente nela. Ela é apenas transgênero - e é isso."
Devido à crescente conscientização sobre transgêneros, os médicos dizem que suas clínicas têm sido inundados com pacientes ao longo dos últimos anos. A Associação Médica Americana publicou diretrizes para ajudar os médicos.
Adultos transgêneros que não podem viver facilmente como sua identidade de gênero têm maiores taxas de suicídio, são mais propensos a ser assassinados, e muitas vezes sofrem discriminação no local de trabalho.
"Não há nenhuma recompensa por ser transgênero, nenhuma recompensa. Há uma vida tomando remédios, desistindo de sua fertilidade, é mais difícil viver sendo trans," diz Olson, ressaltando que as pessoas que decidem fazer a transição sentem que esta é a única opção que eles têm para viver com seu verdadeiro eu.
"A experiência trans é notável - passar por ambos os sexos -, é tão raro. Vamos comemorar isso, e não apenas tolerar. Temos algo a aprender com as pessoas trans."
 
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quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Garoto de 5 anos que gosta de se vestir “como uma princesa” inspira mãe a criar livro infantil


Quem foi que inventou que garotos gostam de azul e jogam futebol enquanto que meninas se vestem de rosa e brincam de boneca? A regra é praticamente universal e, apesar de não fazer nenhum sentido, limita a diversão de crianças de todo o mundo. Mas não de Dyson Kilodavis, 5 anos, que pula, corre, sobe em árvores e brinca usando vestidos e sua cor favorita: rosa.
A primeira vez que Cheryl Kilodavis, mãe do garoto, percebeu seu gosto por roupas, cores e itens tidos como “de menina” foi quando Dyson tinha 2 anos. Ao chegar no jardim de infância para buscá-lo, ele veio recepcioná-la com um exuberante vestido e salto alto. O choque foi grande, afinal, não era isso que os pais esperavam do garoto. Mas após consultarem diversos especialistas em crianças, foi da boca de seu filho mais velho, Dkobe, 8, que Cheryl ouviu a reposta mais sensata: “apenas o deixe ser feliz”, disse ele. E foi o que ela e o marido fizeram.
princess-boy5No entanto, quando seu filho de 5 anos sai por aí usando roupas de bailarina, vestidos rosas e tiaras, os olhares de reprovação machucam. Para protegê-lo disso, principalmente na escola, Cheryl decidiu educar os professores e colegas. Para isso, transformou um diário em que anotava situações envolvendo o filho em livro infantil. Nele, ela aborda a amizade incondicional e ensina as crianças a aceitar e compreender as diferenças.
O livro, intitulado “My Princess Boy” (“Meu Menino Princesa”, em português), foi lançado nos Estados Unidos e já está em sua segunda edição. O título vem de uma conversa que a mãe teve com o menino quando ele tinha três anos. Sorridente, ele teria dito que era uma princesa. Cheryl imediatamente respondeu que apenas meninas poderiam ser princesas e então, mais do que depressa, ele afirmou ser um “menino princesa“.
Que Dyson não passe um dia sem ser feliz com seus vestidos e tiaras e que nenhuma criança tenha sua alegria limitada por regras sem sentido que, um dia, alguém inventou.