Este blog é um dispositivo para pensarmos sobre questões relativas à corpo, gênero, sexualidade(s), identidade(s), infância(s) em articulação com a Educação. Aqui, estudantes, professor@s e investigador@s podem (e devem) contribuir com o diálogo sobre estes temas em instituições educativas. Participe você também! Coordenação Profª Me. Amanda Leite – Curso de Pedagogia - Universidade Federal do Tocantins (UFT)
magina se a deusa do amor, Vênus, no famoso quadro do italiano Sandro Botticelli, “Nascimento de Vênus”, fosse magra e sem nenhuma imperfeição no corpo? E se o mesmo acontecesse com “Maja Desnuda”, do espanhol Francisco Goya? A experiência foi feita pela americana Lauren Wade, especialista em edição de imagens, que encontrou um jeito diferente para criticar a manipulação das imagens feita com Photoshop e os tradicionais padrões de beleza impostos pela sociedade.
A ideia foi desenvolvida após a empresa Dove, de linhas de higiene pessoal e beleza, lançar a campanha “Real Beauty” (Beleza Real), em que as modelos são mulheres dos mais diferentes tipos de pele, cabelo e corpo.
“Gender Studies” é um ensaio fotográfico feito pela artista parisiense Bettina Rheims, que explora indivíduos que fogem da categorização de ser homem ou mulher.
Trabalhando com jovens transexuais a fotógrafa analisou mistura, transição e equilíbrios de características femininas e masculinas em um único ser.
A ideia por trás dessas belas e evocativas fotos é fazer um estudo de pessoas que vivem além das classificações estereotipadas do gênero.
Os g0ys, homens que gostam de outros homens, mas não se consideram gays, colocam à prova as barreiras tradicionais entre os gêneros. A ciência aponta que o comportamento sexual é tão múltiplo que as categorias, como as conhecemos, podem estar acabando
Rita Loiola e Juliana Santos
O Facebook disponibiliza aos usuários 50 alternativas de gênero: andrógino,
transexual, pangênero e fluido são algumas denominações
Aos 27 anos, o paraense Joseph Campestri, morador de Brasília, descobriu que era g0y (g-zero-y). Ele gosta de outros homens, troca carícias íntimas com eles, mas não se considera gay. Sexo, só com mulheres. Foi em um grupo na rede social Facebook, em 2011, que Campestri descobriu que existiam outras pessoas assim, autointituladas g0ys. O termo surgiunos Estados Unidos, por volta dos anos 2000 e, dez anos depois, chegou ao Brasil por meio de blogs. Em novembro do ano passado, a página do Facebook "Espaço G0ys e afins" contava com 43 participantes. Hoje, esse grupo é uma das principais comunidades de g0ys por aqui, com 1 994 perfis. Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Salvador e Belo Horizonte são as cinco capitais que mais concentram g0ys, de acordo com estatísticas dos blogs e redes sociais onde eles se apresentam.
"Os g0ys não se enquadram nos padrões heterossexual, homossexual ou bissexual", diz Campestri, de 30 anos, um dos líderes do movimento no Brasil e o criador de sua bandeira, com faixas em tons de azul. A maior parte dos g0ys se diz hétero e mantêm relacionamentos com mulheres – alguns são até casados. "Os homens com os quais me envolvo na privacidade podem ter qualquer orientação sexual, isto é, podem ser g0ys ou não. Posso me relacionar com todos os homens por quem eu me sinta atraído."
Pessoas como Campestri mostram que as fronteiras entre as orientações sexuais heterossexual, homossexual ou bissexual são, cada vez mais, colocadas à prova. O Facebook adicionou, em fevereiro deste ano, uma opção customizada para os usuários que escolhem o inglês americano como idioma dando a eles 50 alternativas de gênero. A pessoa pode se definir como andrógina, transexual, pangênera, fluida, entre outras denominações. No início de abril, a Suprema Corte da Austrália concedeu a uma pessoa nascida homem, que fez a cirurgia de mudança de sexo, a opção de gênero "não-específica".
A multiplicação do sexo — À primeira vista, essa confusão entre gêneros, orientações e expressões sexuais é um fenômeno recente. Mas, para os cientistas que estudam o comportamento humano, a época em que vivemos — com muitas informações circulando nos meios de comunicação — apenas deu visibilidade a práticas que há muito são vividas na intimidade.
"Hoje, com o estigma e os preconceitos diminuindo, as pessoas se sentem mais livres para falar de sexo e declarar suas preferências", diz a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Projeto Sexualidade (ProSex), do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP). "O mundo está ficando menos dicotômico e passamos a questionar o que significa ser homem ou mulher. E, agora, vamos ter que encontrar formas de lidar com todas essas formas de sexualidade que estão aparecendo."
Outro fator que colaborou para tirar da sombra comportamentos que fogem do tradicional foi o avanço da ciência, que mostrou que nem todas as atitudes distantes do convencional são doenças ou transtornos. "Somados, os elementos sociais e biológicos estão mostrando que os homens podem ter um comportamento sexual mais variado do que, tradicionalmente, se acreditava", afirma a psiquiatra Alessandra Diehl, coordenadora da Pós-Graduação em Transtornos da Sexualidade e Saúde Sexual da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). "A sexualidade é uma área fluida."
Inúmeros caminhos — De acordo com os médicos e psiquiatras, sexo biológico, gênero, orientação e expressão — elementos que formam o comportamento sexual humano — não são opções divididas apenas entre o feminino e o masculino. São gradações e podem ser combinadas, dando origem a inúmeras possibilidades. E isso é verdade mesmo para o sexo biológico. Enquanto a maioria das pessoas nasce com órgãos sexuais de apenas um dos gêneros, outras vêm ao mundo com os dois (os hermafroditas) e há aquelas que nascem com o órgão feminino, mas têm resquícios do masculino e vice-versa.
Mas o campo que pode ganhar mais definições e denominações diferentes é o da orientação ou preferências sexuais, isto é, o sexo por quem uma pessoa se sente atraída. Além dos tradicionais LGBT para lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros, já há novas classificações em inglês que incluem ao final da sigla as letras QIA, que significam "questionando", "intersexo" (equivalente ao hermafrodita) e "assexuado".
Tantos nomes novos, obviamente, não querem dizer que homens e mulheres heterossexuais possam ser considerados "uma minoria entre outras". "É importante notar que, em todas as culturas ao redor do mundo, o comportamento homossexual é minoria. O que estamos descobrindo é que, talvez, ele não seja tão raro quanto imaginávamos", explica o médico Amílton dos Santos Júnior, pesquisador do departamento psiquiatria da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "A parte majoritária da população é heterossexual, embora mesmo esses possam ter experiências que fogem a essa norma. Admitir uma experiência sexual com alguém do mesmo sexo não torna uma pessoa homossexual ou de outro gênero."
História do sexo — A enorme variação entre as orientações sexuais foi identificada pela primeira vez nos anos 1950 pelo biólogo americano Alfred Kinsey (1894-1956), pioneiro em estudos sobre a sexualidade humana. Reunindo cerca de 18 000 entrevistas de pessoas das mais variadas classes e profissões, feitas a partir dos anos 1930 até sua morte, o cientista elaborou a Escala Kinsey, que ia de um comportamento exclusivamente heterossexual até o exclusivamente homossexual. Entre os dois extremos, identificou cinco gradações, que mesclavam as duas atitudes: heterossexuais com alguns eventos homossexuais, heterossexuais com muitas relações com o mesmo sexo, bissexuais, homossexuais com muitas relações heterossexuais ou homossexuais com raros eventos heterossexuais.
Atualmente, psicólogos e psiquiatras identificaram muito mais que as sete categorias definidas por Kinsey. Além de serem numerosas — os especialistas chegaram à conclusão que as diversas possibilidades não são fechadas em um número único ou finito — elas ainda podem mudar ao longo da vida. "O que ocorre é que, predominantemente, nos sentimos atraídos por um sexo, mas, incidentalmente, podemos gostar de outro", explica Alessandra. "A ciência nos dá indícios para acreditar que a orientação sexual é inata. Nascemos com tendências, mas elas vão se transformando ao longo da vida, de acordo com as influências e experiências de vida."
Pan-gênero — Desde criança, Föxx Salema, de Bragança Paulista (interior de São Paulo), sabia que o sexo com que nasceu não correspondia a seus sentimentos e inclinações. Nasceu homem, mas sentia-se mulher. Aceitar essa situação causou inúmeros conflitos na adolescência. Entrou em depressão, tentou se matar e demorou a aceitar que era transgênero.
Hoje, aos 36 anos, é vocalista de uma banda de metal e hard rock, tem feições masculinas e define-se com identidade feminina. Embora não queira mudar de sexo ou adotar uma aparência de mulher, pede para que os interlocutores usem o pronome "ela" nas conversas e afirma que se relaciona com "pessoas" — homens, mulheres, travestis ou transgêneros. Föxx diz que as dúvidas a respeito de sua identidade só tiveram fim há poucos anos quando, pelas redes sociais, encontrou outras pessoas que também não se encaixam nas categorias fixas de homem, mulher ou gay.
Base biológica — Historicamente, os debates sobre orientação sexual se dividem entre os que afirmam que alguém nasce gay ou torna-se assim de acordo com as influências do ambiente onde vive. Para resolver o embate, desde os anos 1990, os cientistas buscam identificar bases biológicas para a variedade sexual que existe entre os seres humanos. Alguns, como o neurocientista anglo-americano Simon LeVay, resolveram levar a cabo estudos sobre as diferenças entre os cérebros de gays e heterossexuais para mostrar como a mente humana processa os impulsos sexuais.
Em 1991, o pesquisador examinou o hipotálamo de homens gays — mortos pela aids — e descobriu que uma estrutura chamada INAH-3 era de duas a três vezes menor que a de heterossexuais. Essa região costuma ser também menor em mulheres que em homens. Apesar de questionada pela comunidade científica — não se sabia se a diferença estava relacionada à experiência gay ou à doença — essa foi uma das primeiras evidências de que a orientação sexual pode ter origem biológica.
"Se olharmos as centenas de estudos que foram publicados nos últimos anos, eles apontam que eventos ocorridos no cérebro antes do nascimento têm forte influência na orientação sexual de alguém. Há genes e hormônios sexuais envolvidos nesse processo", diz LeVay. "Ninguém tem o poder de escolher seus sentimentos sexuais — ou seja, por quem é atraído. A escolha está no que fazer com essas emoções: definir o comportamento sexual, relacionamentos ou como se apresentar à sociedade."
Genética sexual — A maior parte das pesquisas atuais relacionadas à orientação sexual concentra-se na genética. Alan Sanders, pesquisador da Universidade de Northwestern, nos Estados Unidos, terminou este ano o maior estudo genético já realizado sobre o assunto. Reuniu 400 irmãos gays (pouco mais de 800 homens) e, durante dez anos, estudou o DNA dessas pessoas para tentar descobrir se há componentes genéticos que definem se alguém é homossexual. Os primeiros resultados da pesquisa, ainda não publicados, confirmam as pesquisas de Dean Hamer, do Instituto Nacional do Câncer, nos Estados Unidos, chamado de pai do "gene gay". Em 1993, Hamer viu que uma região do cromossomo X, chamada Xq28, era igual em muitos irmãos homossexuais. O estudo de Alan Sanders descobriu não um, mas dois cromossomos que aparentemente influenciam na orientação sexual: o Xq28 e o cromossomo 8.
No entanto, o pesquisador é categórico ao afirmar que a orientação sexual não é determinada apenas pela genética ou pela biologia. O ambiente social, cultural, familiar e as experiências psicológicas também têm forte influência. "Há muitas contribuições ambientais sobre as quais sabemos muito pouco. O que sabemos com certeza é que a escolha da orientação sexual não é consciente ou maleável. Elas são congênitas, naturais e definidas muito cedo", afirma Sanders.
Característica natural — Desde 1973, a Associação Americana de Psiquiatria não considera mais a atração por pessoas do mesmo sexo uma doença — foi quando homossexualismo virou homossexualidade. Até 2012, estar em um corpo de um gênero e sentir-se em outro era considerado um transtorno. Desde o início do ano passado, entretanto, o transtorno de identidade de gênero tornou-se uma disforia, ou seja, uma angústia por pertencer a um corpo que não é o seu. A denominação, adotada no Dicionário de Saúde Mental (DSM-5), manual feito pela associação americana, deve ser revista também pela Classificação Internacional de Doenças (CID-11), que deverá ser publicada em 2015 pela Organização Mundial de Saúde.
Para parte dos especialistas, porém, não pertencer à definição anatômica do sexo biológico ou não enquadrar-se nos gêneros binários tradicionais não é sequer uma angústia. É apenas mais uma característica, natural, encontrada em todos os animais.
Para o psiquiatra Alexandre Sadeeh, coordenador do Ambulatório de Transtorno de Identidade de Gênero do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), as possibilidades sexuais humanas são tantas que as diversas denominações jamais darão conta de nomear a todas. "Tantas divisões esvaziam o tema. Quem sofre por estar em um corpo em que não se reconhece pode se submeter à cirurgia, feita com acompanhamento e tratamento gratuito no Brasil desde 2008. No entanto, é importante saber que há milhares de variações e combinações possíveis. A biologia dá a base determinante e muitos outros fatores agem para variá-la."
"Estamos em uma fase de transição em que comportamentos e expectativas sociais e sexuais estão se transformando. É um período em que os parâmetros parecem ter desaparecido e isso, não necessariamente, vai permanecer", afirma a psiquiatra Maria Inês Lobato, coordenadora do Programa de Transtorno de Identidade de Gênero do Hospital das Clínicas de Porto Alegre e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). "Os padrões típicos do que é ser homem ou mulher mudaram, mas ainda não estão definidos. É uma discussão que ainda vai nos acompanhar por um bom tempo."
Ele sabe da situação em que estou, mas não quer me ver.
Lésbicas, gays, bissexuais e transexuais ainda têm muito a conquistar na luta pelos seus direitos. Dentro do grupo, os “Ts” da sigla LGBT estão em especial desvantagem, porque lidam com a estranheza e o preconceito vindos de fora e vivem ainda, em muitos casos, uma constante batalha para aceitar a eles próprios.
O 21º Congresso da Associação Mundial pela Saúde Sexual, realizado em Porto Alegre, discutiu essa questão, em outubro do ano passado. A psicoterapeuta norte-americana Lin Fraser, presente ao evento, é especialista no assunto. “Os trans são pessoas que sentem saudade do que nunca foram e gostariam de ser, de um lugar emocional onde gostariam de estar”, explica.
Compreender como lidar com transexuais, ela conta, é um desafio até para estudiosos em sexualidade e gêneros. Dos anos 1990 para cá, apelar para a psicoterapia já foi prática indicada, deixada de lado, obrigatória e, atualmente, altamente recomendada para aqueles ou aquelas que querem se entender ou, ainda, se submeter à troca de sexo.
“Só a partir de 2010 é que se chegou a um consenso de que a transexualidade não deve ser tratada como patologia. Não é doença ou distúrbio. A expressão das características de gênero é ampla, vai muito além de héteros e homossexuais, e cabe ao psicoterapeuta ajudar o paciente a encontrar conforto em quem é”, afirma.
Terapia do coração
A linha de auxílio psicológico que se mostra mais eficiente para os trans é a terapia emocional – ou, como gostam de denominar os profissionais que a aplicam, a “terapia do coração”. Ela se baseia no vínculo afetivo entre terapeuta e paciente, na empatia mútua que precisa surgir desde a primeira consulta. “Não é possível ajudar um transexual sem conhecer a trajetória dele. E, para abrir suas histórias e angústias, se sentir acolhido e seguro, ele precisa saber que a pessoa à sua frente não ficará chocada com nada que ele disser”, justifica Lin.
Se possível, a família deve participar desse processo. Não raro, pais e irmãos sentem muita dificuldade para entender e aceitar o parente transexual e também precisam de ajuda. A psicoterapeuta esclarece: “Nunca se tentará alterar ou ‘curar’ um trans – até porque, mais uma vez, não é doença. Devemos, juntos, explorar seu papel social, desenvolver nele resiliência e segurança. Acolhido pelo terapeuta e pela família, ele conquistará a confiança de que pode ser amado e pleno”.
A palavra que não pode ser pronunciada
Para Mariela Castro Espín, diretora do Centro Nacional Cubano de Educação Sexual e ativista pelos direitos LGBT, os transexuais podem ter a necessidade de auto entendimento, mas é a sociedade que precisa ser transformada – para o seu próprio bem. “São muitos os meios de discriminar socialmente um trans, da família ao mercado de trabalho, passando pelos espaços religiosos. Mas as maiores vítimas dessa desintegração são as pessoas que se prendem a esse preconceito. Não se constrói uma sociedade de valor com exclusão”, acredita.
Também participante do congresso, ela explicou que a estratégia de integração atualmente aplicada em Cuba é multidisciplinar, com assistência de saúde abrangente, especializada e gratuita, programa de educação sexual e serviço de orientação legal para pessoas trans. “Lembremos da luta por direitos das mulheres. Integrar transexuais é um mecanismo de trabalho de direitos humanos”, defende.
Lin concorda e acrescenta que a própria linguagem precisa evoluir: “Muita gente tem medo de falar a palavra transexual, de chamar um transexual de transexual. Daí vêm os ‘apelidinhos’, as ‘brincadeiras’ que mais ofendem do que ajudam. Se faz necessário tirar a carga de preconceito dessa terminologia, fazer com que ela também seja socialmente confortável”.
As coisas não estão indo muito bem para quem é contra a adoção de crianças por casais gays no quesito argumentos. A ideia de que pais gays teriam dificuldade para desempenharem os papéis tradicionais de pai e de mãe está completamente errada, segundo um novo estudo publicado na revista Proceedings, da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos.
De acordo com o texto, os cérebros dos pais gays mudam da mesma forma que os dos seus colegas heterossexuais depois da paternidade. Os pesquisadores analisaram imagens do cérebro de pais tanto gays quanto heterossexuais, e descobriram que os homens homossexuais que adotaram crianças por meio de barriga de aluguel sofreram alterações em regiões do cérebro assim como mães e pais héteros.
Curiosamente, enquanto o estudo constatou que o cérebro de pais e mães heterossexuais de primeira viagem passam por diferentes mudanças, pais homossexuais passam por uma combinação dos dois, o que sugere que pais gays desempenham os dois papéis na paternidade.
Neurologicamente falando, pais gays são capazes de assumir o papel tanto de mãe quanto de pai, e reagir às atitudes da criança de acordo com isso.
O estudo foi realizado pelo pesquisador Eyal Abraham, da Universidade Bar-Ilan, em Israel, com a contribuição de Ruth Feldman, também da Bar-Ilan, e da professora Talma Hendler, do Centro Médico Sourasky, de Tel-Aviv. Os pesquisadores filmaram as novas mães e pais interagindo com seus bebês, e mediram a atividade cerebral dos pais enquanto eles reviam esses vídeos. As imagens revelaram que pais gays apresentaram atividade emocional na amígdala semelhante a novas mães, enquanto ao mesmo tempo exibiam aumento da ativação dos circuitos cognitivos que ocorreram nos cérebros dos novos pais heterossexuais.
“Os cérebros dos pais são muito maleáveis. Quando há dois pais, seus cérebros tendem a trabalhar nas duas frentes, na emocional e na cognitiva, para atingirem um nível ideal de paternidade”, explica Feldman.
Abraham acrescenta que esta é uma oportunidade de examinar possíveis desenvolvimentos na paternidade, dada a “reorganização da família tradicional, a redefinição dos papéis maternos e paternos” e o aumento do papel dos homens na educação dos filhos.
“Apesar do crescente envolvimento dos pais na criação das crianças, poucas pesquisas até agora têm examinado a base biológica da paternidade, e nenhum estudo examinou a base cerebral da paternidade humana quando os pais assumem a responsabilidade primária de cuidados com o bebê. As famílias de dois pais proporcionam um cenário único para avaliar as mudanças no cérebro do pai ao assumir o papel tradicionalmente ‘maternal’”, diz.
Falando sobre as implicações do estudo para unidades familiares não tradicionais, Abraham afirma que os resultados indicam que assumir o papel de um pai comprometido pode desencadear uma rede global de “cuidado paternal” no cérebro de homens e mulheres, tanto biológicos quanto não relacionados geneticamente com a criança. Em outras palavras, você não tem que ser a mãe biológica da criança para desenvolver boas competências paternais.
“Além disso, as descobertas descrevem o mecanismo de maleabilidade do cérebro com as experiências de cuidado em pais humanos. Enquanto apenas as mães passam pela gravidez, parto e lactação, a evolução criou outros caminhos para a adaptação do papel paternal nos homens, e esses caminhos alternativos vêm com a prática e com o cuidado no dia-a-dia”, fala.
Claro, todas essas descobertas são baseadas no envolvimento dos pais. “Os pais devem se envolver em atividades de cuidados infantis, porque este é o seu caminho para as mudanças cerebrais e a ligação com os filhos”, aponta Feldman. Quanto mais o cérebro é ativado por meio de prestação de cuidados, mais sensível se torna para as necessidades da criança.
“Quando as mães estão ao redor, a amígdala dos pais pode descansar, porque a mãe assume o papel de se preocupar com a cria. Quando as mães não estão por perto, o cérebro dos pais precisa assumir esta função”, explica a cientista.
As conclusões do estudo parecem reforçar o caso da paternidade homossexual, um tema de constante debate e alvo de preconceito. No Brasil, até pouco tempo atrás, a decisão ficava por conta da interpretação legal dos juízes que, quando concediam a adoção, faziam unicamente para indivíduos, e não para casais homossexuais. Com a regulamentação do casamento civil entre homossexuais em 2012, o processo ficou mais fácil. Perante a lei, pais homossexuais têm os mesmos direitos e devem apresentar as mesmas prerrogativas que os heterossexuais caso queiram adotar uma criança.
Os opositores do casamento gay e grupos anti-LGBT argumentam que a paternidade gay é ruim para as crianças, porque lhes dá uma vida familiar muito instável, não fornece uma educação saudável e as passa um sentimento de que não são normais. Mas este argumento é enfraquecido pelos próprios filhos de pais do mesmo sexo, sendo que muitos dos quais têm declarado não notar qualquer diferença no amor e cuidado dos pais.
E a ciência parece concordar. Na Austrália, os pesquisadores descobriram que ser criado por pais homossexuais não prejudica o desenvolvimento social das crianças, sua educação ou sua saúde emocional. Esta conclusão é corroborada por uma revisão de 2010 de pesquisas científicas sociais feita pelos sociólogos Judith Stacey, da Universidade de Nova York, e Tim Biblarz, da Universidade do Sul da Califórnia.