Texto publicado em 2012, por Bia Cardoso, em Blogueiras Feministas (datas adaptadas)
Simone de Beauvoir se estivesse viva, faria 106 anos. É dela uma das principais frases
do movimento feminista: “Não se nasce mulher, torna-se mulher.” A
mulher não tem um destino biológico, ela é formada dentro de uma cultura
que define qual o seu papel no seio da sociedade. As mulheres, durante
muito tempo, ficaram aprisionadas ao papel de mãe e esposa, sendo a
outra opção o convento. Porém, a própria Simone rompe com esse destino
feminino e faz de sua vida algo completamente diferente do esperado para
uma mulher.
Nascida em uma família da alta burguesia francesa, Simone era a mais
velha de duas filhas. Durante sua infância a família faliu e, por
considerar que as filhas não conseguiriam bons casamentos, pois não
havia dinheiro para um bom dote, George de Beauvoir se convenceu de que
somente o sucesso acadêmico poderia tirar as filhas da pobreza. De fato,
Simone de Beauvoir teve mais poder de escolha que muitas mulheres de
sua época. A educação e o desenvolvimento acadêmico são até hoje
maneiras de forjar mulheres mais independentes, que rompem com os
padrões de sua época. Ela faz uma crítica aos valores burgueses nos
quais foi criada no livro “Memórias de uma moça bem comportada”.
Simone de Beauvoir tinha 41 anos quando publicou “O Segundo Sexo”, em
1949. Já naquela época a obra levantou inúmeras polêmicas. Uma das
principais acusações é que Simone ridicularizava os homens. Isso é uma
acusação que muitos usam contra o feminismo. Porém, as pessoas parecem
não querer compreender o que realmente se passa na vida das mulheres e
como todo o poder está concentrado nas mãos dos homens. “O Segundo Sexo”
não é uma fonte historiografica para conhecer a história da mulher
desde a antiguidade. É uma obra de inspiração, fundamental para
descortinar a maneira pela qual as mulheres são criadas justamente para
serem menos que os homens. Você pode baixar “O Segundo Sexo” em .pdf no blog Livros Feministas.
Lendo algumas das críticas que foram feitas a “O Segundo Sexo”, muitas
parecem absurdas, mas ainda lemos opiniões conservadoras e moralizantes
em diversos cadernos de opinião da mídia brasileira, especialmente
quando se trata da sexualidade feminina. Entre seus críticos estava
François Mauriac, escritor francês, que em uma de suas enquetes no
Figaro Littéraire perguntou: “Estaria a iniciação sexual da mulher no
seu devido lugar no sumário de uma revista literária e filosófica
séria?” A questão dividiu os intelectuais. Para muitos “O Segundo Sexo” é
um “manual de egoísmo erótico,” recheado de “ousadias pornográficas”;
não passa de “uma visão erótica do universo”, um manifesto de “egoísmo
sexual.” Jean Kanapa insiste: “Mas sim, pornografia. Não a boa e
saudável sacanagem, nem o erotismo picante e ligeiro, mas a baixa
descrição licenciosa, a obscenidade que revolta o coração.” A polêmica
mistura tudo. A contracepção e o aborto são ligados nas mesmas frases às
neuroses, ao vício, à perversidade, e à homossexualidade. Segundo uma
carta da enquete, “a literatura de hoje é uma literatura de esnobes, de
neuróticos e de impotentes.” Claude Delmas deplora “a publicação por
Simone de Beauvoir dessa enjoativa apologia da inversão sexual e do
aborto.” Pierre de Boisdeffre em Liberté de l’ésprit assinala “o sucesso
de O Segundo Sexo junto aos invertidos e excitados de todo tipo.” Leia
mais em O Auê do Segundo Sexo de Sylvie Chaperon, publicado no Cadernos Pagu 12, de 1999.
Nenhuma obra, literária ou acadêmica, de Simone de Beauvoir foi recebida
com indiferença. Sua principal contribuição é sempre propor a discussão
democrática e as rupturas das estruturas psíquicas, sociais e
políticas. Por ser escrito por uma mulher e para mulheres, “O Segundo
Sexo” levanta diversas questões, até mesmo no meio literário. Há muito
tempo a literatura classificada como feminina é sinônimo de textos sem
grande aprofundamento teórico. Além disso, não era comum tratar de
assuntos como sexualidade, maternidade e identidades sexuais, mesmo na
França do pós-guerra.
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